26 de março de 2017

Resenha - Não Tão Primos


Titulo: Não Tão Primos
Autor: Renan Merlin
Editora: Coerência
Nº de paginas: 196

Tudo parece sem cor. As férias começaram com um romance e terminaram como um filme de terror. Agora as aulas vão recomeçar e Bernardo precisa enfrentar os meninos que o agrediram e lidar com a nova emoção que  insiste em seguir seus passos: o medo. Apesar de tudo, Bernardo não está sozinho. Gustavo chegou para recolorir o seu mundo. Gustavo e Bernardo sçao meio que primos, ou melhor, Não Tão Primos. Os dias podem se tornar cinza por algum tempo, mas jamais perderão o calor, pois a famosa cidade do verão eterno não deixa que os corações fiquem frios por muito tempo. Prepare-se para aquecer e colorir o seu mundo com Bernardo e seus amigos. Seja bem-vindo a São Pietro!


Não Tão Primos conta a história de Bernardo, um jovem homossexual de 15 anos. Ele acaba se envolvendo com Matheus, o menino mais bonito da escola. Porém, Vitor, o "amigo" homofóbico de Matheus, desconfia e, futuramente, acaba agredindo Bernardo. Matheus, por sua vez, não faz nada para impedir. Humilhado e machucado física e emocionalmente, Bernardo tem que lidar com o medo de ser agredido todos os dias na escola. Com isso, ele começa a se isolar do mundo. Mas, quando tudo parece perdido, Gustavo, seu não tão primo, chega para transformar seu mundo cinza em um verdadeiro arco-íris.

Apesar da história ser contada em primeira pessoa, são os diálogos que protagonizam a narração. Quase tudo é falado ao invés de descrito. De certa maneira, isso é bom porque a leitura acaba fluindo bem mais rápido. O problema é que o excesso de diálogos, principalmente para descrever determinadas cenas, pode não ter a mesma carga de emoção que teriam se fossem descritas em um parágrafo. Além disso, algumas falas parecem muito formais para os personagens, o que me deixou com a sensação de algo um tanto mecânico, além de aparentar que todos possuem a mesma voz. Por conta disso, não tem nenhum personagem que realmente se destaque nos diálogos ou que tenha uma marca característica que nos faça lembrar dele.


A trama em si tem poucas reflexões e quando as tem, são sempre interrompidas por eventos externos, como um telefone tocando, por exemplo, o que me deixava com uma leve frustração. Isso acabou tornando Bernardo um protagonista-narrador que não consegue cumprir bem seu papel. Ele não conseguia passar para o leitor o que precisava para a trama ter a emoção necessária. O autor até tenta mostrar que ele teve uma evolução no decorrer da história, mas eu não vi tanta diferença. Ele teve mudanças sim, mas mudança não é o mesmo que evolução. Uma das partes que eu considero mais importante no enredo é exatamente a questão da violência física que o protagonista sofre, mas isso tudo não é passado para o leitor da maneira que eu acredito que deveria ter sido. Todo aquele medo que ele sentia acaba muito rápido e, como não há uma reflexão sobre o assunto, ele deixa de ser algo crível. Acho que os diálogos atrapalham bastante nessa parte, pois o narrador acaba não conseguindo expressar sentimentos internos acerca de toda essa situação.


“É como se a nossa mente fosse um córrego de águas calmas e cristalinas que, de repente, é invadido por uma enchente com a chegada do estímulo traumático, tornando-se, assim, um rio agressivo que passa inundando e destruindo toda sua várzea - que, no caso, seria a minha vida.


Achei que homofobia, violência e a maneira como Bernardo lida com tudo seriam o centro da trama, até mesmo pelo que li na sinopse, porém tudo é desperdiçado. Existe uma gama enorme de temas que poderiam ser abordados, mas que foram deixados de lado para dar destaque apenas ao romance. Não estou dizendo que ter o romance é ruim, até porque a sua existência já é esperada. Entretanto, a meu ver, ele deveria ser um alicerce que ajuda Bernardo a se erguer nas situações mais difíceis ao invés de ser o centro da trama. Esperei por uma história bem marcante e acabei ficando meio decepcionada. Aliás, a história em geral é bem simples e utópica, eu diria. Muitas cenas são bem água com açúcar mesmo, tipo sessão da tarde. Não que isso seja ruim, só estou apontando uma característica mesmo. 

Falando um pouco da escrita do Renan, algo que me incomodou um pouco foi a mistura de tempos verbais. Ora a narração estava no presente, ora no passado. Isso é muito comum quando se escreve em primeira pessoa, mas deveria ter sido melhor observado pela revisão porque pode confundir o leitor e atrapalhar a fluidez da leitura. Também achei o ritmo da história um pouco estranho. Em menos de 200 páginas, vivemos seis meses da vida de Bernardo. O problema é que em um capítulo acompanhamos metade de um dia e no outro, semanas. Isso tudo de um jeito que não conseguimos identificar a passagem de tempo. Em adicional, senti falta de lacunas que estimulem a imaginação do leitor. Renan narra cada passo do personagem, cada mínimo detalhe, e isso não deixa que nós, leitores, pensemos um pouco.


Apesar de parecer que não gostei do livro, eu achei a história bonita. Tanto que minhas críticas são mais sobre a maneira que ela foi escrita. A trama por si só é bem legal, dá pra reviver momentos da adolescência dentro da nossa cabeça. Inclusive, um ponto que achei SUPER POSITIVO é o fato da sexualidade de Bernardo não ser tratada como um problema ou vir carregada de dramas familiares e essas coisas. Pelo contrário, é passada da forma natural que já lhe pertence. Só tinha lido um livro que tratava a orientação sexual da personagem com essa mesma naturalidade, e ele não tem em português. O que é uma pena porque é ótimo. Fiquei muito feliz de encontrar um livro nacional que trate o assunto da mesma maneira que trataria se Bernardo fosse hétero. 

Outra coisa também é que as cenas picantes são muito bem descritas e trabalhadas da melhor maneira para essa descoberta do personagem. Assim, (talvez isso que veja a seguir seja um spoiler) quando o sexo realmente acontece, é na hora perfeita. Não poderia ter sido em momento melhor. E não é nada exagerada ou pornô. É na medida certa. 


“Ele está dormindo no meu quarto e ontem eu dormi com a cabeça em seu colo. Nós somos meio que primos, ou melhor, não tão primos.


Também gostei da mensagem que o Renan quis passar com o livro. No final, contamos com um agradecimento do Bernardo e é quando essa mensagem fica ainda mais clara, a meu ver. 

Enfim... eu gostei do prólogo do livro porque passa bem a ideia central da história, mas no desenvolvimento a mesma ficou um tanto precária e muito rápida. Acredito que a transformação de alguns diálogos em pensamentos internos do personagem ou em parágrafos descritivos, junto com uma abordagem mais abrangente dos temas escolhidos dariam muito mais corpo à trama. 

Contudo, é uma leitura leve, simples e sensível. E, mesmo se passando no verão, eu diria que um dia frio seria perfeito pra ler esse livro, acompanhada de um café ou chocolate quente, como preferir.


7 comentários :

  1. Oi Lena! Eu fiquei mais interessada por esse livro agora, depois de sua resenha. E a escrita do Renan parece ser bacana, quando tiver oportunidade, lerei.

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  2. Olá, tudo bem?

    Lendo a sua resenha, fiquei com a sensação de que o autor não abordou tudo que ele poderia abordar para passar uma mensagem super importante que é mega necessária nos dias de hoje, para falar sobre o preconceito, não na questão da família, mas da violência sofrida pelo garoto, uma pena. Acho que a leitura poderia ser mais proveitosa se... mas que bom que ainda assim curtiu o livro e o romance. Obrigada pela indicação!

    Beijo!

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  3. Olá, tudo bem?
    Sou muito curiosa para realizar esta leitura, o gênero é um que me atrai muito, e depois de ler a sua resenha, vi que preciso ler logo.
    Um beijo.

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  4. Oi Lena!
    Não me animei muito em ler essa obra, como você descreveu na resenha é realmente uma pena um assunto tão relevante e atual não ser abordado de forma adequada...
    Acho que a obra teria um grande potencial, porém infelizmente o autor não deve ter explorado muito bem :(

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  5. Oi.

    Desde que eu vi o lançamento desse livro, tenho vontade de lê-lo. A temática dele me interessa bastante,mas infelizmente eu ainda não tive a chance de ler. Espero poder fazer isso ainda este ano.

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  6. Olá, tudo bem?
    Nunca tinha ouvido falar deste livro, pelo enredo apresentado eu até fiquei curiosa para ler, mas no decorrer da leitura percebi que ainda não é o livro que ainda me sinto cativada para ler sobre esta temática... eu li um livro só que fala do assunto, mas de maneira bem rasa sabe, e foi muito bom, mas eu queria ler algo mais profundo, espero poder encontrar um dia. Mas eu curti demais a sua resenha... achei a forma como colocou a sua opinião de maneira bem simples e sincera, parabéns. Xero!

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  7. Oi, Helena ^^
    Tal obra me era desconhecida mas me despertou o interesse por ter temática LGBT e livros assim são carentes nesse mundo editorial nacional. :(
    Confesso que saber que o livro em sua base é através de diálogos ao invés de descrição me incomoda demais! Não sou mais acostumado a tal tipo de escrita que delimita o que lemos, nos deixa escasso de imaginação.
    Naturalidade, infelizmente, não é algo que tem em muitos lares familiares onde os filhos se assumem ou se escondem gays. Mas fico feliz que o autor decidiu abordar o Bernardo como sendo parte desses que tem os pais agindo de maneira natural.
    Interesse tive para ler tais cenas hot pois pelo que vejo alguns autores tentando censurar essas cenas ao invés de mostrar como elas são, os sentimentos reais que ela transmitem, essa tradução ainda falta ser desenvolvida em várias escritas por aí.
    Parabéns pela resenha e muuuuuuuuuuito obrigado por ter me apresentado a essa obra desconhecida por mim, Helena. ^^
    Bjs

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