10 de novembro de 2015

Resenha - Belle






Titulo: Belle
Autora: Lesley Pearse
Editora: Novo Conceito
Nº de paginas: 561

Londres, 1910. Belle, de 15 anos, viveu em um bordel em Seven Dials por toda sua vida, sem saber o que acontecia nos quartos do andar de cima. Mas sua inocência é estilhaçada quando vê o assassinato de uma das garotas e, depois, pega das ruas pelo assassino para ser vendida em Paris. Sem poder ser dona de seu próprio destino, Belle é forçada a cruzar o mundo até a sensual Nova Orleans onde ela atinge a maioridade e aprende a aproveitar a vida como cortesã. A saudade de casa — e o conhecimento de que seu status como garota de ouro não durará muito — a leva a sair de sua gaiola de ouro. Mas Belle percebe que escapar é mais difícil do que imaginou, pois sua vida inclui homens desesperados que imploram por sua atenção. Espirituosa e cheia de desenvoltura, ela tem uma longa e perigosa jornada pela frente. A coragem será suficiente para sustentá-la? Ela poderá voltar para sua família e amigos e encontrar uma chance para a felicidade?


Para ler Belle, o(a) leitor(a) precisa abandonar seus preconceitos sobre a profissão mais antiga do mundo, situar-se na época em que a história se passa, 1910, e compreender a posição da mulher nessa sociedade majoritariamente machista, onde elas sequer podiam votar.

Filha de Annie, a dona de um bordel, na Inglaterra, Belle, aos 15 anos, ainda não tem consciência da profissão da mãe e nem das garotas que moram na mansão. Para Belle, os homens que aparecem todas as noites para beber e dançar só querem esse tipo de diversão. Mesmo sendo proibida de sair do quarto após as cinco horas da tarde, quando os primeiros clientes chegam, ela aceita o que lhe é dito.

“– Mamãe sempre dizia que se você que muito algo você consegue – ele disse. – Tudo o que tem que fazer é planejar como irá consegui-lo. 
Belle olhou seu sorriso, o rosto sardento, e ficou se perguntando se ele queria beijá-la. Ela não tinha experiência com essas coisas; garotos eram algo misterioso para ela que tinha crescido só com mulheres. Mas ele tinha um tipo de sensação estranha, como se estivesse derretendo, o que era ridículo porque estava congelando de frio.”

Isso até adormecer acidentalmente no quarto de uma das garotas, esconder-se debaixo da cama e descobrir toda a verdade. Mas ela também vira a testemunha de um assassinato. Por causa disso, Belle é sequestrada e vendida para um bordel na França, e depois para um de New Orleans, nos EUA. Começa então sua flagelação até conseguir retornar à sua cidade natal.

Belle não é uma personagem complexa, mas foi difícil compreender suas atitudes e seu jeito de pensar, mesmo me situando na época em que ela vive. Eu só consegui isso quase no final do livro, quando ela faz um resumo dos homens que conheceu para tomar uma determinada decisão.

No início do livro, quando Belle conhece Jimmy, um rapazinho um ano e meio mais velho do que ela, sente, pela primeira vez, o início do que é se apaixonar. Ela não consegue evoluir esse sentimento, porque é sequestrada. Então, o que deveria ser um aprendizado natural, se transforma em um inferno. Ela é estuprada por cinco homens, em cinco noites diferentes, dentro de um quarto do bordel da França. A partir daí, o que se lê é uma sequência de acontecimentos que ela enfrenta com certa letargia.

A princípio, como disse antes, não entendi esse comportamento. Não era essa a atitude que esperava da personagem. Ainda mais quando ela consegue sair dos EUA e voltar à Europa. Ao invés de correr para os braços da família, ela se deixa envolver por uma vida como prostituta de luxo. Fiquei confuso e, durante a maior parte da leitura, não consegui empatia com a personagem, mas, sim, apenas com aqueles que, durante mais de um ano, persistiram na busca pelo seu paradeiro, como Jimmy e Mog.

Mog foi uma prostituta no bordel onde Belle cresceu, mas abandonou essa profissão para se dedicar a ser o braço direito de Annie. Foi Mog quem cuidou e educou Belle desde sempre, compensando a indiferença da mãe natural. Quando Belle é sequestrada, Mog encontra ajuda de Jimmy, de Garth, o tio de Jimmy, e de Noah, um jornalista, para conseguir pistas de para onde Belle foi levada. E os quatro insistem nessa tarefa até conseguirem.

E minha antipatia cresce quando Belle se apaixona e quase se entrega para Etienne, um mercenário francês que é pago para levá-la até os EUA. Depois que é sequestrada, ele é o primeiro que a trata com carinho e consideração, mesmo diante da tarefa que realiza. É um homem bonito, cortejador, cavalheiro, que, mesmo estando sob seu cativeiro, trata Belle como um ser humano, como uma garota bonita e no início de sua sensualidade como mulher. Mesmo assim, não conseguia compreender como ela podia nutrir sentimentos por um homem, que a levava para ser prostituta em um bordel, poucas semanas após ela ter sido estuprada e ficado doente à beira da morte. Não batia, na minha cabeça, com as atitudes de uma pessoa real, que deveria estar traumatizada e com total repulsa pelo sexo masculino.

Mas no fim do livro, quando ela faz um resumo desses homens que passaram pela sua vida, finalmente consegui ver a capacidade narrativa e a verdadeira intenção da autora ao construir Belle.

Belle começou a conhecer o amor com Jimmy, mas o sentimento foi extinto pelo que ela passou em seguida. Ela simplesmente perdeu a capacidade de amar. Ela entregava sua paixão para quem a tratava com o carinho e a consideração que ela perdeu ao ser sequestrada.

Etienne era sua proteção, o homem viril que asseguraria seu bem estar. Ele era o herói que a salvaria, mesmo levando-a para a perdição, porque ela entendia que ele era casado, tinha filhos e precisava honrar o contrato para não ter a família assassinada.

Faldo, apesar de ser feio e de Belle se transformar em sua amante, era o homem que a tiraria do bordel de New Orleans e lhe daria chances de juntar dinheiro para voltar à Inglaterra. Sua afeição por ele era baseada no interesse, mas ela o tratava como se o amasse e sem fingimento. Seu sentimento por ele era real, dentro do que ela sabia sentir.

Jimmy era o símbolo de sua inocência e do que poderia ter sido o amor verdadeiro. Ela reconhece isso no fim do livro, quando compara o que sente por ele com o que sente por Etienne. Mas, da mesma forma que os outros, ela não sente amor eterno, mas o amor pelo momento. O momento de retorno ao lar, a uma vida que não condiz com o que ela se tornou e com o amor de Jimmy, que é mais puro e sincero do que ela pode compreender e retribuir.

A indiferença de Belle diante da vida que foi obrigada a aprender a viver, reflete, de forma sensível e perfeitamente plausível, o trauma pelo que passou. A sensibilidade da autora em demonstrar isso de forma tão singela e natural, é ímpar. Da mesma forma que ela descreve as cenas de relações sexuais, consentidas, pagas ou forçadas. Lesley Pearse escreve todas elas de maneira tão natural, tão sem exageros ou realces, que, mesmo as mais terríveis, não agridem de forma direta o leitor. E isso é um acerto, que não deixa a história cair no dramalhão insuportável de se ler.

Belle é um livro extremamente bem escrito, com uma personagem inesquecível e que demonstra, através da própria ingenuidade, como é possível sobreviver às situações mais perversas que uma mulher pode se submeter e ser submetida. E, graças a habilidade da autora de conseguir transmitir leveza nas piores cenas, você segue a história até o fim e termina com a sensação de que leu um grande épico.

“Se alguém é seu melhor migo, alguém que você não quer perder e que você deseja, e isso não é o amor, o que é?”

Belle é uma leitura obrigatória, um livro indispensável para abrilhantar sua coleção.


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